terça-feira, 11 de março de 2008

Vício de culpa


Você pode ter errado muito e tomado consciência de tudo como culpa, e, por isso, senti-se culpado até quando nada faz de errado.

Ou, quem sabe, você é a apenas um neurótico, oprimido por elevadas demandas pessoais de perfeição, de acerto e correção, e, assim, todas as vezes que alguém reclama algo de sua pessoa, havendo ou não razão para tal, você se sente culpado pela tristeza e frustração que possuíram o coração do outro, e, assim, se culpa e sofre.

Ou ainda pode ser que você sofra de um narcisismo de justiça-própria, e, por tal razão psicológica, sinta-se culpado sempre que você não seja visto com beleza pelo olhar de outros.

Assim é o vício da culpa; posto que desse modo ele opera esteja ou seja a pessoa culpada ou não de qualquer coisa.

A culpa, porém, existe também, e, sobretudo, de modo objetivo; e, na maioria das vezes, os verdadeiros culpados desenvolvem mecanismos de dormência e auto-engano a fim de adiarem, se possível até a véspera da morte, a reflexão sobre o que fizeram e fazem.

Em geral os culpados conseguem ir levando a existência sem muitos sentimentos de culpa, pelo menos nenhum que os perturbe e os faça mudar.

Entretanto, os viciados em culpa pessoal, sejam os neuróticos, os hipersensíveis ou os narcisistas éticos, em geral sentem culpa até que do que culpa não têm. E, assim, vão adoecendo de dor culpada, e, depois de um tempo, mergulhando em depressão, ou adoecendo na incapacidade de ter alegria, ou ainda vão desenvolvendo mecanismos de excessivas explicações, ou, então, vão se cansando, e, por fim, desistindo do verdadeiro bem, posto que o “falso bem” somente nos empurra para longe do verdadeiro bem.

Muita gente, entretanto, julga que o sentirem-se culpados é uma virtude, sem saberem que é um grande mal, isso quando nenhuma culpa está presente.

Num mundo caído e para o homem caído, o sentir-se culpado quando se peca é uma das maiores dádivas do Deus de Graça. Sim! Pois, culpados e sem culpa seríamos diabos encarnados. A culpa, porém, é uma dádiva da redenção, e, sem ela, não há processo de salvação para aquele que peca, pois, na ausência dela, eternizasse o pecado como parte do nosso ser finalizado.

Assim, pecar e esconder-se é ainda sinal de saúde nos doentes que somos nós!

Do mesmo modo a culpa é sinal de saúde no ambiente da Queda quando ela segue o pecado sinceramente; e conduz o homem ao desejo de vestir-se, mesmo que apenas depois ele descubra que somente Deus tem o poder de vestir os culpados, não pelo encobrimento da culpa, mas sim pela sua inteira remoção.

Cabe ao homem perdoado buscar viver com a seriedade e consciência de quem conhece o pecado e a culpa, e os leva a sério, ao mesmo tempo em que dele se requer que ande sem culpa, ainda que sem levezas irresponsáveis e levianas.

O perdão alivia o coração de todo peso de culpa, mas não se impõe sem as gravidades da consciência!

Assim, perdão é leve e doce, ao mesmo tempo em que é grave e denso.

Digo isto apenas para concluir afirmando que homem que anda sob o signo do perdão perscruta sempre a sua consciência em cada coisa, sentimento ou ato, porém, mesmo quando busca a conciliação com alguém a quem não ofendeu, o faz pela paz, mas não pela culpa. Afinal, não é bom confessar culpa da qual não nos acusa o coração exposto à Palavra e ao Espírito de Deus.

Sim! Pois, o vício da culpa é a dor de um “pobre diabo” em nós, mas, mesmo sendo “pobre”, é ainda um diabo em nós.

segunda-feira, 3 de março de 2008

A PESQUISA DE JESUS



Quem a multidão diz que eu sou? — indagou Jesus de Seus discípulos enquanto andavam na direção do Monte Hermon, no Norte do país, até a cidade de Cesareia de Felipe, erguida no sopé da montanha.

Responderam eles: Uns dizem que é João, o Batista; outros, Elias; outros, Jeremias, ou algum dos profetas. Mateus 16:14
Ora, entre a classe educada e culta dos judeus, o que se dizia de Jesus era que Ele era louco, endemoninhado, samaritano surtado, blasfemo, demolidor do Templo, destruidor da Lei, transgressor dos costumes, e um aproveitador da ingenuidade da plebe que nada sabia de religião; ou seja: da lei.

Isto, porém, era o que eles diziam em seu ódio apaixonado e ardente de inveja e de temor de perda de poder. No entanto, nem todos pensavam conforme diziam e confessavam; pois, houve quem dissesse: “agora ele fez um sinal que não podemos negar [a ressurreição de Lázaro], se o deixarmos, virão os romanos e tomarão nossos postos e o país”; e completa João: “pois por inveja o entregaram.”

Assim, entre o que a elite diz e o que ele vê, sente e de fato enxerga, há, muitas vezes, uma insinceridade de dimensões abissais. No entanto, o povo, ou as multidões, como designou Jesus, tende a ser mais sincera em sua apreciação nem sempre profunda. Todavia, todas as opiniões do povo sobre Jesus, ainda que aquém de Quem ele fosse, foram positivas e o relacionavam a gente boa como João Batista, Elias, Jeremias ou algum dos profetas antigos.

O interessante é que o povo não teve interesse em semelhanças e nem em lógicas, mas apenas em demonstração de intrepidez e poder. Sim! Porque se tivessem associado Jesus a poder apenas como milagre, teriam que ter mencionado além do nome de Elias [um realizador de sinais], o nome de Eliseu, ou mesmo Moisés.

Mas não dava para associar Jesus a Moisés, pois, em relação a Moisés, Jesus sempre tinha um “eu, porém”.

Interessante é que ninguém do povo parecia se preocupar com o fato de João Batista ter morrido depois de ter batizado a Jesus, e depois de Jesus já ser Jesus para todo o povo. Era como se tivesse havido uma ultra-incorporação. Além disso, parecia também não importar que ambas as personalidades, de Jesus e de João Batista, fossem tão díspares. Ou seja: o que interessava ao povo era ter um representante ousado e que fosse a continuidade sobrenatural do maior molestador de Israel nos anos anteriores: João Batista, o mesmo acerca de quem se diz que nunca fez nenhum sinal, mas tudo quanto disse acerca de Jesus era verdade.

Elias também era cogitado, provavelmente o mais popular entre os cogitados. Jesus seria Elias, cheio de ousadia, e com poder de enfrentar a Jezabel de Roma e dos corruptos do Templo. E as curas e milagres de Jesus deveriam ser extensão do poder de operar milagres que Elias manifestara. Entretanto, as profundas dessemelhanças em tudo, em nada importavam, nem nos modos e nem nos conteúdos.

Então aparece Jeremias. Sim! O Jeremias doído e lamentoso é apontado como candidato a estar reencarnado em Jesus. O povo sempre creu em reencarnação. Se Vox Populi fosse Vox Dei, então a reencarnação seria verdade quase absoluta entre os humanos. Entretanto, Jesus Jeremias e Jeremias Jesus são tão parecidos como personalidades quanto Chorinho e Lambada são como ritmos e estilos musicais. Jeremias? Jesus era Jeremias. Eu acho muito engraçado. Mas tinha gente sincera do povo que cria daquele jeito. Fazer o quê? O povo sente e vai... Vai sem saber nem bem o que pensa, mas vai... Então, Jesus pode ser Jeremias, por que não?

Mas havia aqueles que diziam: Pode ser qualquer um dos profetas! Ora, esses eram os que sabiam apenas que aquele homem era da mesma qualidade dos que haviam outrora vivido como profetas, acerca de quem eles ouviam e liam. Esse tipo respondia assim: Sei lá quem ele é! Só sei que é profeta.

O povo tem todas as razões que deseje ter para considerar alguém o que bem entender, mas, em geral, o povo erra numa boa, sem ser como o erro perverso dos que chamam a pessoa de diabo doido apenas porque precisam manter o poder, mesmo que saibam que daquele que eles planejam matar emane um poder que eles não podem negar. Mas a inveja e o medo cegam a mente, e o individuo pratica toda sorte de perversidade.

O povo é cheio de boas intenções em relação ao que de Deus possa vir, mas, a maioria das vezes, serve qualquer pessoa ou coisa que seja de alguma forma relacionada a algo que faça parte da crença que brota do berço dos pobres.

O interessante é que Jesus foi identificado com pessoas totalmente diferentes Dele em tudo; exceto no conteúdo da confissão da fé. O povo sabia que Jesus tinha a ver com Deus assim como os profetas tiveram.

A Voz do Povo não é a Voz de Deus; exceto quando ecoa o que de Deus vem.

Assim, na sinceridade, o povo via Deus sobre Jesus, como Deus fora sobre os profetas anteriores; ao mesmo tempo em que criam que Jesus poderia ser uma reencarnação de algum deles; ou até um profeta duplamente turbinado — tomado pelo seu próprio espírito e pelo de João Batista, morto havia pouco tempo.

Assim, o que nos salva de nós mesmos é o que não vem de nossas cogitações, mas apenas e tão somente como revelação de Deus; pois, assim, e somente assim, se tem a razão sincera para responder: “Eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus”, como Pedro, um do povo, veio a responder antes de qualquer outro discípulo.

VOCÊ COMPREENDE A LINGUAGEM DE JESUS?


Por que não compreendeis a minha linguagem? é porque não podeis ouvir a minha palavra. – Jesus, João 8.


A verdade é mais simples que a simplicidade.

“Por que não compreendeis a minha linguagem? é porque não podeis ouvir a minha palavra.”

Ora, no contexto de João 8, tudo começa com a cena da mulher flagrada em adultério, a qual é salva do apedrejamento por uma única resposta-pergunta de Jesus. Naquela ocasião eles entenderam a linguagem de Jesus. Entenderam em si mesmos, a partir do que criam sobre si mesmos. Sem “fé” ninguém entende linguagem alguma.

Depois, entretanto, Jesus lhes diz coisas que só poderiam ser discernidas a partir do pressuposto de que Jesus não era louco, mas Deus. Sim, porque o que Jesus diz só cabe entre o Doido e Deus.

Ele diz coisas de Si mesmo que são inconcebíveis. É acusado de fazer auto-propaganda, e a isso responde que Moisés dissera que se houvesse duas testemunhas, toda palavra se formava como verdadeira; e conclui: eu falo a verdade porque meu Pai da testemunho de mim.

“Quem é teu pai?” — perguntam eles.

Resposta: “Se conhecêsseis a mim, conheceríeis também a meu Pai”; e, assim, questiona todo o pressuposto da percepção deles. Afinal, Jesus era visível e perceptível; porém, para Jesus, havia um “Eu” que eles não conheciam, o qual, sendo conhecido, era equivalente a conhecer seu Pai.

Mas quem ousaria suspeitar que Ele não era louco, mas a própria Luz-cidez?

Quando indagado acerca do que dizia e do que intentava; ao dizer que não seria mais achado entre eles depois de um tempo — se era por que Ele se suicidaria ou por que iria ensinar aos gregos na dispersão; Ele apenas diz: “Vós sóis cá de baixo; eu sou lá de cima”.

Assim, quanto mais explica “em verdade, em verdade” menos é entendido. Pois era impossível compreender a linguagem sem crer na palavra Dele.

Assim, Ele diz: Por que não compreendeis a minha linguagem? é porque não podeis ouvir a minha palavra.

Ninguém jamais entenderá nada do Evangelho a menos que creia na Palavra de Jesus em razão de poder ouvi-la dando razão a Deus à priori.

E quem tem tal disposição a menos que seja tocado por uma revelação de amor divino?

E quem terá tal insight se já não tiver o coração propenso à simplicidade da linguagem do amor?

Se não for assim, a Linguagem de Jesus é incompreensível até para o mais refinado teólogo ou filosofo.

No entanto, quando alguém pode ouvir a Palavra, então passa a compreender a linguagem; e tudo fica mais que claro.

Você compreende essa linguagem?
Jesus é a linguagem.
Jesus Deus.
Deus Jesus.
Jesus Filho.
Deus Pai do Filho.
Filho de Deus.

EleEle = Um.

Se essa equação entra em nós por revelação, então, a linguagem é compreendida, pois a Palavra foi ouvida e crida.

Somente a fé que ouve, e ouve crendo, é que se capacita a entender a linguagem de Jesus, que é a linguagem de Deus.